domingo, 25 de maio de 2014

Contracorrente

- Joaquim, Centro de Valorização da Vontade, posso ajudar?
- Oi, é Caio. Tá tudo uma merda, não aguento mais isso, porra... não aguento mais... (choro)
- Conte-me, Caio. 
- Ah, cara, caralho, que vida é essa?! Que mundo de merda é esse?! A gente tem que se escravizar, se vender, ser fudido todo dia pra pagar a miséria da vida, o mínimo, sobreviver?! Cara, não nasci pra isso... A gente vê todo dia os cara da política fuder a gente, andar de carrão, morar em mansão, desviar dinheiro pra carai fazendo um monte de merda, porra! E os play tudo de roupa importada, de carro chique, meu chefe ontem tava com um relógio de ouro! E eu não consigo juntar uma graninha pra comprar uma geladeira nova pra minha velha, nem nada pra mim...
- E o que você tenta fazer em relação a isso?
- Ah, cara, sei lá! Eu trabalho pra caralho o dia todo, tentei esquecer essa merda toda, ver tevê, tomar cerveja, fumar, já tentei mudar essa bosta, conversar com o povo, tem uma galera lá no bairro que tenta organizar a comunidade, a gente puxa umas reuniões, mudar essa vida, já tentei um emprego melhor, já estudei pra carai, e é a mesma merda, tudo dando errado, cara, cansei!
- E o que você pretende fazer agora?
- Cara, se eu to ligando pra essa merda, é óbvio que eu quero me matar, né?!
- Desculpe, Caio, mas eu precisava confirmar. Nós não devemos induzir, inferir nem deduzir nada, precisamos ter certeza, para poder ajudá-lo a alcançar a sua vontade.
- Mas, caralho, como é difícil! Fico pensando na minha mãe, no que ela vai sentir, vai ficar arrasada, e nas pessoas, vão ficar chocadas, sem entender porque eu me matei... elas são é idiotas, deviam se matar também... E eu fico naquela - e depois? O que vem depois? O que eu faço? Será que é isso mesmo? Será que eu não deveria tentar de novo? Mas eu não quero, cara, já deu, estou exausto, e não adianta dormir, passo o fim de semana inteiro dormindo, sem vontade de fazer mais nada, nem deveria ir trabalhar na segunda, aquele calabouço, mas me obrigo a ir, ou me obrigam, não sei... 
- Entendo, Caio, entendo. Mas você precisa pensar antes de tudo em você. Sua mãe também não fica feliz ou ficaria feliz sabendo que você está muito mal vivendo, que você sofre, que você sente a violência desta sociedade diariamente e já não aguenta mais essa dor. Você não pode se forçar a viver uma vida que você considera uma merda só para outra pessoa ficar feliz, tornando você infeliz. Se ela realmente te ama, quer que você faça o que quiser fazer...E outra coisa, o que vem depois? Infinitas possibilidades, quem sabe? Outra vida, outro mundo, ou nada... que diferença faz? Se aqui está uma merda e você não quer mais, uma possibilidade é descobrir o que vem depois...
- É? Não, poh, ela vai sofrer, é uma merda, as pessoas sentem saudades... eu sinto esse peso... e eu tenho medo... medo...
- Sim, Caio. Não é uma decisão fácil. Exige muita coragem, muita vontade, muito amadurecimento para você ter certeza de que é isso que você quer. É isso que você quer?
- Acho que é... é sim... 
- Então, como posso lhe ajudar?
- Como eu faço?
- Existem muitas maneiras. Fáceis, difíceis, indolores, rápidas, doloridas, lentas, criativas, óbvias, divertidas, chatas, você escolhe.
- Hm... Acho que o básico, né, rápido, fácil e indolor...
- Bem, o mais fácil é pegar um montão de remédios pra dormir, quanto mais fortes melhor, e tomar. De preferência em um dia e horário em que seja normal as pessoas mais próximas ficarem um longo período sem te ver ou falar com você, para evitar que elas desconfiem, descubram e atrapalhem. Pular de uma ponte é um pouco mais emocionante, mas é mais garantido, se você não tiver medo de altura. E, acredito, é rápido demais para ter dor. Só dói quando você sobrevive, então, pule de cabeça. 
- Caralho, podes crer... acho que não tenho coragem pra isso não, mas deve ser foda, né, o vento no rosto, a sensação de voar...
- Deve! Eu super curto...
- Massa, Joaquim. Estou me sentindo muito melhor, cara. Tu me ajudou muito... Espero conseguir.
- Você vai conseguir, Caio, estamos aqui para te dar esse apoio... Coragem! Faz o que tu acredita, o que você quer, esquece o medo e vai... 
- Valeu, cara... adeus...
- Adeus!

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