Ser deixada...
Ignorada...
Esquecida...
Abandonada...
A experiência do abandono tem repercussões profundas. Ela afeta um elemento estrutural na nossa condição emocional-afetiva, nossa condição de relação com o mundo e todas que nos cercam. Vivemos nesta encruzilhada entre o acolhimento e o abandono. O sentir-se parte e o sentir-se aparte, o sentir-se junto ou sozinha. A primeira possibilidade nos integra e nos permite sentir-nos integrais, sentir que há em nós uma individualidade plena, mas há também o reconhecimento e apoio externo do mundo, do universo, de quem nos cerca, para que sejamos quem somos e estamos sendo e queremos ser... Não é fácil, para não dizer que é impossível, sermos em isolamento. O sentido mais amplo da existência é, talvez, acredito eu, justo a conexão com Tudo. É o retorno à origem, à possibilidade de sermos o Todo novamente, nos sentirmos parte, queridos por algo/alguém que não apenas nós mesmas.
Não existimos sem o que está “fora” de nós, precisamos que o que nos é externo de alguma forma nos veja, nos reconheça, nos queira, nos incentive a seguir sendo, nos amplie a condição do ser.
E ao sermos abandonadas... é como se a vida se negasse a nós. Como se a Vida nos desprezasse, como se não houvesse um lugar em que pudéssemos estar simplesmente, sem precisar nos impor, nos contrapor, lutar pela existência... Vivemos em um mundo de muito conflito e desamor, muito afastamento e dor causada pela violência da estrutura político-econômica dominante, e estar neste mundo se torna um exercício de afirmação de si, de autoreconhecimento que de alguma forma mostre a esse mundo infame que nós existimos e queremos existir e que vamos existir de toda forma, não importa o quê, não importa quanta dor e luta tivermos que travar... é um processo muito doloroso, cansativo e agoniante. E que produz mágoas e males que de alguma forma precisam se esvair, alguma forma de conforto, um lugar de paz, carinho, recuperação das forças, reintegração ao sentido profundo da existência. Ser abandonada é ter esse lugar tirado, destruído...
Ser abandonada, precisamos translucidar, é algo a posteriori. Primeiro é preciso haver essa experiência da conexão para que ela então se quebre. Quem nunca se sentiu acolhida, conectada com alguém, talvez sinta algo ainda mais grave do que o que eu estou falando. É o abandono absoluto, o de nunca ter sido vista, amada e cuidada. Meu caso é outro, o de ter provado esse sabor absurdo de ser e estar inteiramente, profundamente, absurdamente com alguém, sentir-se tremendamente com esta pessoa, querê-la tanto e sentir-se querida de tal forma, que a presença dela se torna onipresente, em toda parte palpita, se torna o Todo, está em todo lugar. É a Vida, abstrata, manifesta em todas as coisas, da areia ao mar, em todas as seres vivas e no vazio, materializada e concentrada intensamente em uma única ou em algumas ser/es, que pode/m olhar-te nos olhos e dizer com toda a energia vital que há nela/s que você é algo para ela/s, está dentro dela/s, faz parte dela/s. E então, por motivos vários, quebras e rupturas várias, processos explicáveis e inexplicáveis, tudo se perde, tudo se destrói, tudo desaparece, some, vira nada. E esse nada suga, como um buraco negro, puxando o entorno, ampliando este vazio do abandono.
Quantas pessoas que eu amei na vida simplesmente desapareceram? Simplesmente me deram as costas? Passaram a agir como se eu não existisse? Quantas vezes senti que todo aquele sentimento, energia, conexão, simplesmente evaporara? Que ao olhar para essas pessoas, nada mais se via, a não ser perda, tristeza e vazio? Quantas vezes olhei e não reconheci mais a pessoa que fez parte de mim? Quantas vezes esse esforço, tentativa e querer se conectar com outra pessoa, se mostrou em vão? Se tornou dor, frustração, perda, tristeza, vazio?
Há não muito tempo atrás passei por um processo muito doloroso, que ocasionou em mim uma certa crise de pânico. Ao olhar para qualquer pessoa, em especial as que me despertavam algum interesse ou atração, mesmo a mais vaga, tola, superficial, instantes depois já me ocorria “essa pessoa pode me faz mal, pode querer se apoderar de mim, destruir minha história, me odiar e me causar dor” e automaticamente esse sofrimento emergia e eu virava os olhos e me negava a seguir adiante naquele movimento e vontade de aproximar-me dessa alguém.
Algum tempo se passou e minha necessidade mais imperiosa de conexão fortaleceu-se e me deixei novamente olhar, sentir e aproximar-me... E por muita gente senti coisas fortes, atrações intensas, desejos, quereres, identificações, curiosidades, vontade de estar mais perto, cuidar, acompanhar e fazer parte da vida... E todas essas pessoas, de alguma forma ou de outra, não se conectaram. Nenhuma delas sentiu nada. Nenhuma delas sequer me viu – ainda que algumas tenham me olhado, outras tenham me tocado, outras tenham me sentido. Passei despercebida por todas e nada ficou, nada sobrou, nada se fez, criou, conectou, estabeleceu. Contatos aleatórios, vazios, inúteis.
Para que compartilhamos nossas histórias, desejos, interesses, vontades com alguém, se não é para nos aproximarmos e cuidarmos umas das outras?
Quando estamos plenas, sentindo-se suficientes, satisfeitas com o afeto que há em nós, podemos sim fazer isso por pura diversão, por abundância, por alegria em celebrar a diversidade da vida, a partilha do excedente que há em nós. Mas quando passamos pelos desertos gelados da existência e sentimos que nos falta energia e calor suficientes para manter-nos afetivamente vivas, precisamos encontrar essa pessoa-lugar que minimamente nos aqueça com o calor do seu corpo, e mais do que o corpo em si, com a sua intenção, a vontade de aquecer, de estar junto, de quererem uma a outra se aquecer. Suponho que precisamos disso para reestabelecer essa possibilidade de estar no mundo de forma plena. Tenho minhas dúvidas sobre a possibilidade de passarmos pela vida sem isso.
Acredito que devem haver sim muitos e tantos casos de pessoas que nunca vivenciaram isso, ou vivenciaram uma ou poucas vezes e também tiveram processos tenebrosos de abandono e/ou perda, e que essas pessoas continuaram perambulando pelos caminhos, respirando e realizando coisas, ações, sonhos... Talvez nosso corpo não entre em colapso por esta falta. Mas...
E agora o que sinto é outro mecanismo autoinduzido. Toda pessoa que olhar daqui em diante me terá a face do abandono. Não quero nem posso sentir nenhuma aproximação. Todo amor e cuidado que não senti quando busquei, não quero nem consigo mais sentir. Não posso mais acreditar em sua possibilidade. Tudo que senti durante tanto tempo foi perda e abandono que sinto inevitavelmente tudo se tornará isso. Não consigo imaginar a possibilidade dos afastamentos comuns e ora inevitáveis entre as pessoas de forma harmoniosa e suave, em que ambas percebam a beleza que há na vida e a necessidade de seguirem rumos diferentes. Toda minha experiência afetiva culminou em abandono e tristeza, em desaparecimento e vazio, em mal-estar e feridas. Não conheço outra forma de ser. E infelizmente tenho essa sensação de que fatalmente todo contato está fadado a isso e não tenho forças nem condições emocionais de lidar com isso. Não quero mais, não quero nada, já me dói o suficiente o que vivi, não preciso de novas dores, novos abandonos, novos nomes, rostos e histórias tristes para acrescentar na minha longa lista de pesares...
Nesta noite se desfez o último fairytale... Não acredito mais.
Ignorada...
Esquecida...
Abandonada...
A experiência do abandono tem repercussões profundas. Ela afeta um elemento estrutural na nossa condição emocional-afetiva, nossa condição de relação com o mundo e todas que nos cercam. Vivemos nesta encruzilhada entre o acolhimento e o abandono. O sentir-se parte e o sentir-se aparte, o sentir-se junto ou sozinha. A primeira possibilidade nos integra e nos permite sentir-nos integrais, sentir que há em nós uma individualidade plena, mas há também o reconhecimento e apoio externo do mundo, do universo, de quem nos cerca, para que sejamos quem somos e estamos sendo e queremos ser... Não é fácil, para não dizer que é impossível, sermos em isolamento. O sentido mais amplo da existência é, talvez, acredito eu, justo a conexão com Tudo. É o retorno à origem, à possibilidade de sermos o Todo novamente, nos sentirmos parte, queridos por algo/alguém que não apenas nós mesmas.
Não existimos sem o que está “fora” de nós, precisamos que o que nos é externo de alguma forma nos veja, nos reconheça, nos queira, nos incentive a seguir sendo, nos amplie a condição do ser.
E ao sermos abandonadas... é como se a vida se negasse a nós. Como se a Vida nos desprezasse, como se não houvesse um lugar em que pudéssemos estar simplesmente, sem precisar nos impor, nos contrapor, lutar pela existência... Vivemos em um mundo de muito conflito e desamor, muito afastamento e dor causada pela violência da estrutura político-econômica dominante, e estar neste mundo se torna um exercício de afirmação de si, de autoreconhecimento que de alguma forma mostre a esse mundo infame que nós existimos e queremos existir e que vamos existir de toda forma, não importa o quê, não importa quanta dor e luta tivermos que travar... é um processo muito doloroso, cansativo e agoniante. E que produz mágoas e males que de alguma forma precisam se esvair, alguma forma de conforto, um lugar de paz, carinho, recuperação das forças, reintegração ao sentido profundo da existência. Ser abandonada é ter esse lugar tirado, destruído...
Ser abandonada, precisamos translucidar, é algo a posteriori. Primeiro é preciso haver essa experiência da conexão para que ela então se quebre. Quem nunca se sentiu acolhida, conectada com alguém, talvez sinta algo ainda mais grave do que o que eu estou falando. É o abandono absoluto, o de nunca ter sido vista, amada e cuidada. Meu caso é outro, o de ter provado esse sabor absurdo de ser e estar inteiramente, profundamente, absurdamente com alguém, sentir-se tremendamente com esta pessoa, querê-la tanto e sentir-se querida de tal forma, que a presença dela se torna onipresente, em toda parte palpita, se torna o Todo, está em todo lugar. É a Vida, abstrata, manifesta em todas as coisas, da areia ao mar, em todas as seres vivas e no vazio, materializada e concentrada intensamente em uma única ou em algumas ser/es, que pode/m olhar-te nos olhos e dizer com toda a energia vital que há nela/s que você é algo para ela/s, está dentro dela/s, faz parte dela/s. E então, por motivos vários, quebras e rupturas várias, processos explicáveis e inexplicáveis, tudo se perde, tudo se destrói, tudo desaparece, some, vira nada. E esse nada suga, como um buraco negro, puxando o entorno, ampliando este vazio do abandono.
Quantas pessoas que eu amei na vida simplesmente desapareceram? Simplesmente me deram as costas? Passaram a agir como se eu não existisse? Quantas vezes senti que todo aquele sentimento, energia, conexão, simplesmente evaporara? Que ao olhar para essas pessoas, nada mais se via, a não ser perda, tristeza e vazio? Quantas vezes olhei e não reconheci mais a pessoa que fez parte de mim? Quantas vezes esse esforço, tentativa e querer se conectar com outra pessoa, se mostrou em vão? Se tornou dor, frustração, perda, tristeza, vazio?
Há não muito tempo atrás passei por um processo muito doloroso, que ocasionou em mim uma certa crise de pânico. Ao olhar para qualquer pessoa, em especial as que me despertavam algum interesse ou atração, mesmo a mais vaga, tola, superficial, instantes depois já me ocorria “essa pessoa pode me faz mal, pode querer se apoderar de mim, destruir minha história, me odiar e me causar dor” e automaticamente esse sofrimento emergia e eu virava os olhos e me negava a seguir adiante naquele movimento e vontade de aproximar-me dessa alguém.
Algum tempo se passou e minha necessidade mais imperiosa de conexão fortaleceu-se e me deixei novamente olhar, sentir e aproximar-me... E por muita gente senti coisas fortes, atrações intensas, desejos, quereres, identificações, curiosidades, vontade de estar mais perto, cuidar, acompanhar e fazer parte da vida... E todas essas pessoas, de alguma forma ou de outra, não se conectaram. Nenhuma delas sentiu nada. Nenhuma delas sequer me viu – ainda que algumas tenham me olhado, outras tenham me tocado, outras tenham me sentido. Passei despercebida por todas e nada ficou, nada sobrou, nada se fez, criou, conectou, estabeleceu. Contatos aleatórios, vazios, inúteis.
Para que compartilhamos nossas histórias, desejos, interesses, vontades com alguém, se não é para nos aproximarmos e cuidarmos umas das outras?
Quando estamos plenas, sentindo-se suficientes, satisfeitas com o afeto que há em nós, podemos sim fazer isso por pura diversão, por abundância, por alegria em celebrar a diversidade da vida, a partilha do excedente que há em nós. Mas quando passamos pelos desertos gelados da existência e sentimos que nos falta energia e calor suficientes para manter-nos afetivamente vivas, precisamos encontrar essa pessoa-lugar que minimamente nos aqueça com o calor do seu corpo, e mais do que o corpo em si, com a sua intenção, a vontade de aquecer, de estar junto, de quererem uma a outra se aquecer. Suponho que precisamos disso para reestabelecer essa possibilidade de estar no mundo de forma plena. Tenho minhas dúvidas sobre a possibilidade de passarmos pela vida sem isso.
Acredito que devem haver sim muitos e tantos casos de pessoas que nunca vivenciaram isso, ou vivenciaram uma ou poucas vezes e também tiveram processos tenebrosos de abandono e/ou perda, e que essas pessoas continuaram perambulando pelos caminhos, respirando e realizando coisas, ações, sonhos... Talvez nosso corpo não entre em colapso por esta falta. Mas...
E agora o que sinto é outro mecanismo autoinduzido. Toda pessoa que olhar daqui em diante me terá a face do abandono. Não quero nem posso sentir nenhuma aproximação. Todo amor e cuidado que não senti quando busquei, não quero nem consigo mais sentir. Não posso mais acreditar em sua possibilidade. Tudo que senti durante tanto tempo foi perda e abandono que sinto inevitavelmente tudo se tornará isso. Não consigo imaginar a possibilidade dos afastamentos comuns e ora inevitáveis entre as pessoas de forma harmoniosa e suave, em que ambas percebam a beleza que há na vida e a necessidade de seguirem rumos diferentes. Toda minha experiência afetiva culminou em abandono e tristeza, em desaparecimento e vazio, em mal-estar e feridas. Não conheço outra forma de ser. E infelizmente tenho essa sensação de que fatalmente todo contato está fadado a isso e não tenho forças nem condições emocionais de lidar com isso. Não quero mais, não quero nada, já me dói o suficiente o que vivi, não preciso de novas dores, novos abandonos, novos nomes, rostos e histórias tristes para acrescentar na minha longa lista de pesares...
Nesta noite se desfez o último fairytale... Não acredito mais.
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