sábado, 13 de agosto de 2016

Tão tão distante



Tenho uma história com céus estrelados. Uma atração, uma necessidade, uma identificação, uma calamidade. Já deitei em inúmeras praias noturnas, em areias escuras, para meditar diante do maior espetáculo sobre a Terra, o infinito cintilante de mundos, universos e gigantescas bolas incandescentes explodindo a incontáveis distâncias. Já pulei, gritei, repeti freneticamente palavras decisivas, em processos loucoterapêuticos, catárticos, artísticos. Já amei demasiado sob esse céu sem fim, já chorei incontavelmente.

E penso no céu como metáfora para compreensões, ilustrações reflexivas das possibilidades da vida. Recentemente estabeleci algumas imagens simbólicas para certos elementos astronômicos. O que significam pra mim as estrelas? As estrelas cadentes? E o elemento que somou-se ao meu cenário representativo, os cometas?

As estrelas, predominantes no campo, largamente dominantes neste ambiente obscuro, ocupando cada centímetro discernível de nosso olhar nas noites mais negras. O que elas representam? Há aquela velha história de que muitas dessas estrelas sequer existem mais. Que por tão tão distantes que estão de nós, suas luzes nos chegam enquanto a fonte combustível de todo esse brilho já se extinguiu, já morreu. O que podem representar as estrelas?

Desses três elementos, estrelas, cadentes e cometas, apenas as primeiras são as mais “constantes”. Exceto em algumas condições muito desfavoráveis, de lua cheia muito brilhante, céu nublado, ou nas proximidades das malditas cidades, elas sempre estão lá. Uma sombra que proteja o olhar das luzes ao redor eventualmente já é suficiente para desvendar a mágica de um céu estrelado. O que são as estrelas, numa simbologia ontológica-existencial humana pessoal?

Elas me parecem como as lembranças, e/ou as impressões que temos da vida e do tempo. Brilhos que marcam nossos olhos, nossa pele, nossas vidas, nossa percepção, nossos sentidos e emoções. Brilhos que podem ser mais ou menos intensos, marcantes, como acontecimentos de nossas vidas, tão incontáveis quanto estrelas, acontecimentos que rememoramos repetidas vezes, quais as constelações preferidas, zodiacais, acontecimentos que nos guiam na vida, significaram transformações importantes, mudanças de direção, tais como as estrelas guia, ursa polar, três marias, ou experiências que simplesmente passaram e não existem mais e temos a forte ilusão de que ainda estão, ou gostaríamos profundamente que estivessem – essas tais estrelas mortas de tão tão distante. Quantas estrelas mortas temos em nossos céus existenciais? Quantos sóis nos guiam? Quais constelações montam nosso mapa afetivo?

As estrelas cadentes... que pra começar não são estrelas, ironia. O nome já é mentira. Essas poeiras cósmicas, esses detritos espaciais, esse lixo humano jogado lá na estratosfera, essas coisas todas que ora teimam em retornar à nossa atmosfera e se estouram inteiras nesse choque terrível de velocidades absurdas com os primeiros gases do ar que nos cerca. A clássica tradição de fazer desejos para elas já se desgastou e perdeu o sentido na minha rotina de admirador de cadências. Depois de tantas cadentes, tantos “desejos”, tantos quereres e intenções entregues ao universo, cheguei ao ponto de não ter o que pedir, ou não ver propósito em pedir nada... Tudo que quero, busco, vou na direção, luto, construo, intento. Se for para acontecer, acontecerá, se não for, não. Que são os desejos cadentes nesse balanço?

Hoje eu as entendo como lembretes, marcadores, que nos convocam a pensar sobre o que nos é mais importante e significativo naquele momento especial, riscado no firmamento. Que vontades, sonhos, afetos, quereres nos ocorrem neste momento? O que nos é mais querido e desejado? O que estamos desejando a cada momento? E diante de toda essa compreensão, percebo o que mais me é preciso e fortaleço as intenções, nesse ritual místico de concentrar-nos no querer, no caminho, para que nossos passos caminhem mais firmemente, mais conscientes, mais confiantes.

E os cometas, ou meteoros, que eu nunca vi, e talvez por isso só recentemente passei a pensar neles? Hoje tem um significado importante nesse quadro azul do meu interior. A primeira simbologia que atribui aos meteoros foi desse acontecimento raro, raríssimo que acontece na história da vida pessoal ou da humanidade. Quantos meteoros já passaram pela Terra? Quantas pessoas já viram um? Quais as chances deles chegarem perto de nós? Quais as chances de fazermos parte deste acontecimento? Tudo isso me remeteu a esses acontecimentos, vivências, experiências absolutamente raras e que às vezes parecem ser irrepetíveis, inigualáveis. Aquele amor-paixão-afeto-loucura-dor-tragédia tão grande cuja cratera tornou-se um oceano... aquele estalo de sonho, aquela ruptura de caminhos que definem o que faremos da vida a partir daquele instante... aquela perda que desfez tudo que acreditávamos... aquele episódio de quase-morte... E depois lembrei-me daquele outro meteoro, o apocalíptico, o exterminador de eras, de 99% de tudo que vive num planeta, aquele que varreu já a face da terra. Aquela última esperança de que tudo afinal acabe.

Before the Beginning - John Frusciante - cintilando 

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