terça-feira, 30 de agosto de 2016

Nó-e-té



Em minhas noites de insônia escrevo coisas de que me arrependo. Outras coisas que me inspiram e me devoram, que me inquietam com a intensidade do grito, frases e mais frases fugitivas dos calabouços que contenho, onde se escondem os mistérios que me engolem o fôlego.
 

Minhas noites de insônia são como drogas. Alteram minha percepção, meu senso de realidade e de possível, minha intuição do que é melhor, minha noção do que eu quero e do que é desprezível. Ligo para pessoas que não existem, digo o que eu não diria em sã consciência, vejo tudo se mexendo, metais e tintas, me dispo do ridículo e peço o impossível, mirabolando sonhos que gostaria de viver no dia seguinte.
 

Em certas noites de insônia destilo vícios. Toco-me como se nunca tivesse me visto e como se esse prazer fosse algo tangível. Como se minha pele e meus sentidos me bastassem, esse diminuto território moreno e já insensível pelo pouco que de outras peles teve notícia.
 

Meu abajur amarelo ao meu lado esquerdo tenta me ajudar, ser um abrigo. As inúmeras histórias em que me escondo fazem do tempo insone um pouco menos tenebroso. Mas há noites de insônia de puro suplício, em que as fantasmas dos amores passados me lembram os tempos idos e morridos.
 

A noite nunca é o bastante e a persistência faz chegar o sol. O sol que nasce parece despertar em mim o segredo insignificante que é achar-se só, quando há muito mais que isso... O sol da alvorada tem efeitos reconfortantes, anestesiando essa treva excessiva, aquecendo o corpo que outro corpo não aqueceu, restaurando o olhar no horizonte sem fim.
 

O sono exausto de quem percorreu a madrugada, o quarto serenado pela luz fria das primeiras horas, o esquecimento suave que esse cansaço impõe, a desistência branda nos braços do edredom... Ao final pode-se morrer, como se nunca tivesse tido insônia...

Em algum lugar entre o Juazeiro do Norte e Natal, 20h31, sábado, 27 de agosto.

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