terça-feira, 30 de agosto de 2016

MenoSer



“Por que não nos falamos mais? - Vontade”



“Tudo de bom que vivemos não significa nada diante do que foi ruim”



“Se quebrou e não existe mais”



“Esqueceu-se de trancar as portas, parece que o convidou, parece que já não se importa, parece que algo mudou”





Sinto minhas mãos semifortes, trêmulas, (in)certas. Uma fraqueza subentendida na esquina dos nervos misturada com uma (in)certeza, (quase)firmeza, de que consigo escrever minha vida da forma que eu quiser, precisar, buscar, ir.



Sinto o movimento dentro de mim fluir, como um rio que se manifesta de inúmeras formas, as águas caudalosas e potentes que seguem pelo meio e fazem O(s) caminho(s), as águas distraídas e rodopiantes que se perdem nas pedras, a água que se desvia para poças, se aquieta, vira laguinhos, a água que evapora, desfalece, desiste e vai embora, a água que retorna no contrafluxo enigmático e frio que existe no fundo, a água bebida pelo entorno, pela terra, pelas seres todas, verdes, dinâmicas, sedentas, a água que soma, que dança das nascentes e segura na mão e segue junto, a água que chega ao Todo, ao Mar, ao Infinito, ao Mais, a água que congela no frio, parada, melancólica, vazia.



Nunca me senti tão frágil, vulnerável, ferida, morta, despossuída, fraca, hipersensibilizada pelos malmequeres dos dias e noites de dor e de perda, esgotada e exaurida por tudo que se foi, tudo que partiu, tudo que morreu, tudo que esvaziou. Ao longo da vida vivenciei inúmeros processos de demolição.



[Metáfora que remete a uma infância brincada com joguinhos de peças remontáveis na forma que a imaginação quisesse, e que de tempos em tempos decidia desmontar tudo tudo que havia criado, cansado de tudo, querendo outras possibilidades pra tudo, destruía tudo e sobre a montanha de peças reconstruía tudo de novo]



E em cada processo de demolição sentia que sobrava menos, que todas aquelas certezas, conceitos, ideias, sonhos, materialidades e imaterialidades do meu eu e do meu mundo ruíam, caiam, destruídos e desfeitos, e então me lançava na árdua e exaustiva tarefa de me (re)criar a partir das ruínas e das invenções de mim e de tudo que naquele instante se fazia presente e intenso, significativo e inevitável.



A cada demolição sobrava menos, e me sentia mais apurada, concentrada, consciente dos meus movimentos e fluxos, meus caminhos e intuições, meus inconscientes e loucuras, meus sonhos e utopias. E nisso me fortalecia, crescia, ampliava, expandia, ia, mais.



Mas desta vez.



Desta vez sinto-me menos.



Contudo, hoje me sinto mais resiliente do que nunca antes, mais capaz e eficaz de cuidar-se, de restaurar-se diante de todos os golpes, choques, ataques, mortes, frios, dores, paixões, impactos, quebras, perdas, danos, aprimorando-se e aprofundando-se nesse caminho de e em si, desse autoenraizamento, autotratamento, essa autopoiese, cíclica, transformadora e emancipadora.



É o momento da minha vida em que consigo me cuidar da forma mais plena e ativa, constante e decisiva, ligeira e intensa. E considerando isto, toda a fraqueza, debilidade, dor e morte que tenho vivenciado não tem me impossibilitado, imobilizado, impedido de seguir outros movimentos que existem, florescer onde é possível, cultivar o que dá, o que é, o que mais.



A inevitável contradição. Tão frágil, mas tão segura de mim e em mim. Tantos cortes/riscos, e tão desbravada e livre. Tão ferida, e tão florescida. Num caos tempestade louca que luta por desorganizar e desmanchar as inúmeras teias e redes de apoio, cuidado e construção coletiva e individual que teci na vida. Sofro, mas sigo. Dói, mas consigo. Sangro, mas sinto que a Vida está aqui, está sendo aqui, é aqui, é isso, tudo, muito, tanto.



Casa Caracol, Natown, 19h46, terça-feira, 30/08/16.

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