terça-feira, 30 de agosto de 2016

Sel-viagem




Empurrada pelas forças maiores que ninguém sabe de onde vem nem o que as governa. Jogada na planície vasta, sem horizontes, do fim do mundo, do vazio de todas as companhias, do frio constante das ausências. Impelida a retomar um certo estado de ser mais bruto, rusticizada pela aspereza do exterior, insensibilizada pelos calos, pele feita couro pelo vento cortante e o desconhecimento de afago. Estômago selvageado pela necessária digestão de pedras emocionais, traumas e dores de todo tipo. As unhas esconderam-se ante camadas de seivas coloridas de vegetais perigosos, que ora seduzem-na para o envenenamento, ora minimizam seu desânimo pelo efeito brilhante do sangue de árvore. Prepara-se para fazer-se caverna por de trás de seus cabelos e feições fictícias. Acostuma-se com a recente e urgencial insensibilidade ante as ilusórias afeições. Seus dentes se tornaram aptos a dureza dos dias e sua língua não se conforma e sangra a solidão da noite. Bicha-loba cuja arte é guardar-se, reservar-se para o inverno profundo e não se sabe mais o quê. Porque o presente, de toda forma, não está nada respirável. Perdida em sua floresta temperada interior poderá dedicar-se às suas alquimias e invencionices que a si bastam. Restrita à máxima (ainda que aquém) autosatisfação que puder proporcionar-se. Não pode contar com nada além. Todas as seres que lhe cercam transmutaram-se em hostilidades e indiferenças cuja motivação e sentidos ignora. Vaga palidamente sem maiores pretensões que saciar fomes insones com o pouco que lhe está ao alcance. Reduzindo-se a sua completa insignificância, cujo sonho é ser o grão de areia que jaz na praia negra.

Em alguma estrada escura rumo ao Ceará austral. 19h58, quinta, 18 de agosto de 2016

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