sexta-feira, 27 de abril de 2012

Calcinhas no chuveiro...


Texto de João Aureliano e Ana Agra 
(gentilmente cedido, ou melhor, descartado)

Acordou-se e tentou lembrar do que havia acontecido na noite anterior, mas tudo ainda estava muito embaçado em sua cabeça. Aos poucos, os pedaços que conseguiu montar foram deixando-na mais e mais possessa. Andreza, era o seu nome, estava certa da traição de Antônio, e nada poderia prová-la do contrário. Estava lá! Ela viu! Viu o jeito que eles se olhavam e como nada daquilo parecia certo. Sentia-se como peão de xadrez, apenas ocupando espaço no jogo dos dois. Como pode? Como teve coragem? Carla não chegava aos seus pés! Todos os pensamentos foram vindo em turbilhão no imaginário de Andreza enquanto ela pensava que poderia MATAR Antônio e destroçar cada um dos seus ossos até chegar em seu coração de pedra. Debateu-se. 

Suspirou. Repensou. O que podia ter acontecido com eles dois? Seria culpa sua, Antônio ter voltado os olhos para outra mulher? Começou a refletir um pouco em como teria agido nos últimos dias. Andara mais fria. O trabalho tomava de conta de tudo em sua vida e pouco tempo sobrava para o noivo. Nossa... Mas que nova ruim ela podia estar sendo... Nem lembrara do aniversário de 5 anos de namoro que havia sido na semana passada. É, Andreza... nada bom...

Mas não é desculpa nenhuma! Se estava fria, ele já havia estado muito mais! E quantos aniversários de namoro ele já havia lembrado? Oras! Nenhum! Aquele escroto estava com ela só pela comodidade, sexo fácil! Fugia do assunto de casamento! FUGIA!

Acendeu um cigarro enquanto experimentava o gelado chão das 6 horas da manhã. 

1, 2, 3 tragos. Passou a mão pelos cabelos. Melhor assim, pensou, melhor assim. Não era como se Antônio tivesse sempre se importado com ela. É triste porque qualquer tipo de traição vem a ser triste, mas não é como se fosse o fim do mundo. Mais um trago. Levantou. Abriu a janela e o sol cegou seus olhos. Pensou em todas as possibilidades, em todas as coisas que já não fazia por causa dele e que agora podia faer. Pensou em Shopping, em poder atrasar a depilação e pendurar calcinha na válvula do chuveiro. Pensou felicidade, pensou alegria e pensou paz. "Sim, é possível ser feliz sozinha". Colocou saltos, vestiu a roupa de sair e sorriu.

FIM
_______________________________________________

Estranho. Não consigo. Não consigo me preocupar com isso, ser traído, ciúme, controle, o que o outro estará fazendo, pensando, sentindo agora... (?)... É como se eu não estivesse nem aí... penso que, ou sou a pessoa mais cega e ingênua da terra nesse sentido, totalmente desligado disso, ou simplesmente é algo impossível para mim... quem pode me trair senão eu mesmo? Quem está comigo, está... se não estiver, não está! Resolvido! O que mais se pode fazer? Onde está a brecha? A rachadura? E o que é alguém se trair? Se trair é não saber-se capaz de si, incapaz, fraco, que não pode ser, não consegue, que tenta, mas não é... não poder confiar em si, saber-se não confiável, falho diante de si mesmo, falho para si, falho para ser... é insuportável... É?... Enfim... Se "tudo acontece da melhor maneira possível" e se está com alguém que não está contribuindo para ti, qualquer fato que revele tal realidade é simplesmente uma dádiva... Libertar-se de algo que não te cresce... é impossível trair alguém, senão a si... nos traimos... É? Quando nos achamos em uma situação, acreditamos em algo, que de fato não é (o que é "não ser"?), é pura aparência, ilusão ou idealização... quem idealizou? Quem criou a aparência? Quem fingiu? Se estávamos entregues, se aproveitamos, vivemos, fomos felizes... alguém pode dizer que não era real? Que não aconteceu? Como saber se é "real"? O que é "real"? O que é "verdadeiro"? Por que duvidar se é "real" ou não? Se foi bom, se valeu a pena, o que importa?! Como desaproveitar retroativamente? Ah, eu fui muito feliz naquele tempo, mas como não era real, não fui feliz realmente, apenas uma ilusão, um engano... (?) Mas o que se viveu não foi vivido? Dá para desviver? Ou então há, de fato, uma cegueira, ou uma opressão mútua... se alguém não quer, mas não tem coragem de dizer, e a outra pessoa quer e não percebe o outro, o que significa? O que é vivido por cada um?... Eu, realmente, não me preocupo... ou, se me preocupo, me divirto... pois jamais poderei saber... se o outro está ou não está... se para mim está, está, se sinto que não está, não está e vou procurar outra coisa para fazer, ser ou estar... Ou melhor, pergunto: você está? Cadê você? Onde estás? Queres estar aqui? Queres ir para outro canto? Vá... ou fique, faça como quiser... apenas faça como quiser... se não quiser, não faça... é tão simples... por que parece tão difícil?! Qual a dificuldade de fazer simplesmente o que quisermos?! Sermos sinceros conosco?! O difícil não é ser sincero com o outro, o difícil é ser sincero consigo... a sinceridade com o outro é praticamente um mito, impossível, pois os canais de comunicação são todos imperfeitos... a sinceridade com o outro, só sendo-o, fundindo-se dois de alguma forma muito quente, como uma explosão solar... um apocalipse... ser sincero com o outro é morrer junto e nascer de novo... O que é ser sincero consigo?! O que é preciso para tal? Como fazê-lo? Tal sinceridade exige um conhecer-se tanto, mais tanto, tão profundamente, que nem sei... Mergulhar-se em si, derramar-se, esvaziar-se, evaporar-se, encircular-se... E, tão sincero consigo, tão si mesmo, como ser afetado por qualquer coisa ruim?! Como sentir-se mau senão por pura escolha, pelo simples prazer da sensação, porque não há mau nem bem, há apenas sensações de toda sorte, sabor, textura e matiz... Livre, sendo nada, nem de ninguém, logo, tudo e em todos...

Uma música - Adeus Você - Los Hermanos

Nenhum comentário: