quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Experimental


Cinco horas fechado (com um mínimo intervalo). Alguns minutos de escuro total. Precisarei me acostumar com a sensação - Olhos abertos e nada ver. É uma comunhão de angústia, imobilidade e espera. Será minha chance de aguçar tremendamente outros sentidos - deixemos essa tola dependência da visão - ela nos engana e nos vicia. Será preciso prática - tudo se resume à prática - memória corporal. Talvez tente fazer em casa - vendar os olhos e viver o cotidiano. Deixe-me explicar-lhe - o filme fotográfico é sensível a qualquer tipo de luz, seja branca, azul, vermelha, magenta, logo, somente à escuridão podemos expô-lo. Precisamos prepará-lo, ele não desabrochará sozinho, não é uma borboleta - precisamos tirá-lo de sua cápsula e revelá-lo, pari-lo, fazê-lo nascer - no escuro! Essa lagarga gelatinosa e frágil que guarda em si os segredos da paralisia do tempo, do congelamento do instante, precisa de minha sensibilidade e atenção (cega) para mostrar-me o que há para ser visto. Primeiro arranco-lhe a língua queimada pela qual puxarei suas entranhas. Cessa a visão e a partir daí é quase uma mágica - neste cilindro preteado devo encaixar o corpo encaracolado para pô-lo no tanque impenetrável. Quando as luzes forem acesas, não saberei exatamente como fiz, mas estará feito. Então a alquimia de cheiros fortes e impregnantes entrará no jogo, encharcando até a ebriedade o conteúdo sensível do recipiente metálico. Revelar, interromper e fixar. Depois do coquetel derramado, podemos trazer-lhe ao alcance da claridade sem que se destrua - Está pronto para continuar a metamorfose. Mas antes, precisa secar. Os cordões improvisados na parede se fazem de varáis por enquanto - será também minha tarefa (mas não sozinho) construir algo mais apropriado. Quando finalmente livre de qualquer umidade, o próximo passo. A luz possue uma magia que a maioria ignora - ela pode tanto roubar as cores, desbotando os tecidos, tintas, livros, o que quer que seja demasiadamente exposta ao seu olhar, como pode também fazer o oposto e marcar uma superficie de tal maneira que se transforme nessa arte congelante, essa pintura perfeita, essa química-artística deslumbrante. A cabeça branca suspensa, com seu olho e sua lâmpada, possui a mão invisível que transportará a marca negativa até o papel. Na máscara negra se posiciona cada quadro, cada pose. Faz-se a medida, amplia-se, focaliza-se, enquadra-se. Ressalto que nesse ponto do feitiço, pode-se ver, porém, apenas com olhos de sangue. Vermelho é tudo que enxergamos e também é preciso hábito com essa percepção de tudo. Acertos e medidas prontos, coloca-se o tempo desejado - dispara. Um tiro de luz no escudo branco para fazê-lo recordar o que outrora o olho da câmera registrou. Mas, pasme, nada pode ser visto ainda - outra revelação quase profética precisa ser feita. Em três lagoas se preparam os banhos que purificarão e deixarão exposto o segredo. Revelar, interromper, fixar - quase o mesmo processo. E é na primeira poção que o mago presenciará diante de seus olhos o surgimento das imagens pretas e brancas. A água corrente terminará a caminhada, quando o fotografia pode finalmente secar e ser apreciada. Cinco horas para o primeiro experimento! E ainda muitos litros, papéis e horas me esperam para aperfeiçoar a mágica. Não estarei sozinho e quero experimentar! Revelar... (o mundo)

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