terça-feira, 22 de setembro de 2009

"A cada dor de partida, a gente aprende a se apegar menos da próxima vez"...


Lembro agora, morreste nos meus braços, te vi sucumbir, escapar-lhe o ar, derramar-se o sangue, fugir-lhe a cor, vi tudo, lembro agora. Como não percebi o que estava acontecendo? Primeiro a inspiração, depois a vontade, contaste-me que se foram. "Não quero mais fazer nada, antes eu quereria ir, mas agora não quero mais"... estava penetrando nesse marasmo característico dos que estão sendo levados. A escrita (respiração) te era difícil, alguma doença invadia as forças. Ah, meu bem, como não percebi que nos meus braços estavas a morrer? Nós, que assim somos, doentes de sofrer... Somos de uma natureza cruel de ser, não suportamos o que há de mais extraordinário, não suportamos a felicidade. Não, ela nos mata, sufoca nossa necessária ânsia de sentir dor e tristeza, sem motivo algum, por qualquer motivo. Ela nos arranca as penas cruciais de nossas asas, aquelas fundamentais para o vôo, aquelas, alvo dos donos de cativeiro. Lembro agora, estavas a morrer, e eu estava alegre e nada pude fazer. Eu, que tenho a mesma chaga no sangue, a mesma fome de solidão, estava vivo porque a felicidade que encontrava em ti não era aquela pura que conhecera (e me matara), mas uma salpicada, repleta de angústias, dores, inconstâncias, tormentas, tempestades e dúvidas, florestas que podia queimar, desmatar, devastar, destruindo-me e assim sobrevivendo, e desta forma tendo meu amor fortalecido, pois cada labareda que cessava, eu via mais fundo o que sentia e ainda outra chama vinha arder-me, carne viva - Viva. Oh, meu amor, morreste nos meus braços - longe deles, muito longe. Esforcei-me imaginando então o que deveria ter feito (uma tolice, mas que não pude evitar). Fiquei imaginando se quando disseste que estavas triste, sem vontade, se deveria ter me afastado - teria forças para isso? - ter feito qualquer tolice, qualquer loucura. Ah, enlouquecerei, é fato, mas para o bem... quero doenças para minha saúde, e, novamente, tu me dá tristezas que talvez sejam para o bem do 'amor', essa substância amorfa e psicodélica, patológica e medicinal, inexprimível, assassina e divina. Acontece também que minha resistência à felicidade me parece maior... a suporto por mais tempo, convivo mais com o silêncio de minha alma - quando a tal felicidade substitui as minhas próprias canções... Você estranhou demais, como que rejeitando, um transplante mal-sucessido, atacado pelas contrariedades do espírito, pelas inevitabilidades do ser. E eu acabo também imaginando que não poderia ser de outra forma. Existem limites para a dor - ela pode ser criativa ou únicamente destrutiva - e a mera destruição é fatal. Se eu tivesse de pronto visto teus inevitáveis e não tivesse feito você ver como me doíam, deixando acontecer e acontecer, eu que teria morrido nos teus braços, teria sido eu. De uma forma ou de outra, um de nós iria. Por que não morremos juntos? Por que tenho que estar de luto? Por que sinto meu coração viúvo? Por quê? Porque esse amor, tão "auspicioso" que é(ra), curava-me mais rapidamente do que podias me ferir. - prontificava-me para cada dor que viesse. Sei que tentaste me matar também - para meu bem? Foram quinze agulhas escarlate - de escorpião - cravadas no meu corpo, quinze dias desesperadores, agonias, convulsões, desilusões, afastamentos, separações... Quinze, que deviam ter me matado... E no final, não mataram, apenas me forçaram a "pedir pra sair" (risos!)... - estraguei o texto com essa piada infame, mas... (riso sem graça)... Cheio de belas cicatrizes fico, muitas mais... feridas abertas, fechadas, costuradas, cortadas novamente... passei as unhas por cada buraco apodrecido que havia, arrancando as carnes velhas e mortas, resolvendo cada fonte de desespero... Até restar só uma... que me fez acabar - acabar o que em mim não acabou - maldição. Agora tudo está 'irremediavelmente perdido'... E a perdição é essa roupa preta que se veste... essa forma de vida curta... esse respirar que sai sangue, esse andar que rasga a pele. - E minha última perdição será essa saudade que eu sinto... essa saudade que cada centímetro de meu corpo sente, que cada prisma em meus olhos vê, cada partícula em minha língua (des)saboreia. Essa saudade atroz... algoz... E, veja só, minha mania de prever - infeliz - me diz que na próxima vez eu tentarei acertar os erros passados e por isso cometerei novos - porque um outro amor não terá as marcas do passado que eu acabarei trazendo, e assim, vou cosendo os fins com os inícios... ou, aprenderei finalmente a cortar com um estilete cada linha que segura meus orgãos aos sentimentos, que prende meu hoje ao ontem e meu amor à saudade? Sim, é isso que preciso aprender... E você, ainda vou te amar um pouco mais... muito mais... E amar sabendo que é uma tinta que atiro na parede para estilhaçar-se como um grito, deixando o que for como arte, a desrazão, a suprailusão. Sei que morreu e já é tarde para ressucitação - eu nem mesmo sei qual foi a hora para isso. Reencarnação, bem, não importa... Seremos pessoas diferentes, fisionomais diferentes... e se realmente me reconheceres as palavras e eu os teus olhos, bem... é uma outra vida.

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