terça-feira, 22 de setembro de 2009

Não ficam raízes...


Sinceramente, não acredito muito em reencontros. Gostaria de acreditar, é lindo, é adorável, mágico, mas não. Sonhar em reencontrar daqui há alguns anos, n´um aeroporto ou estação rodoviária aquela pessoa por quem você guarda um amor enraizado e ainda que tudo aconteça de maneira que haja de fato um reencontro, estarem ambos sozinhos, indo para o mesmo destino ou chegando na mesma cidade e, bem, decidirem aproveitar o 'acaso' e passarem as horas de viagem ou os dias de estada juntos. Quase não se reconheceriam, mas os olhos dela e aquelas molduras marcantes não poderiam ser esquecidas nem ignoradas - ele a viu primeiro. O rapaz não tinha mudado tanto, apenas um pouco mais acentuados os antigos detalhes, tinha mais tatuagens do que na época em que se conheceram, o cabelo finalmente tinha o rastafari - precisou ir para Salvador para conseguir o feito, tinha mais anéis e mais pulseiras - de vários cantos por onde passara. Ela - ele ainda não sabia - tinha mais piercings, aqueles que ela dissera que colocaria e ele se opusera. Além disso, o cabelo estava mais comprido e com sua cor natural! - ele ficou em choque quando viu. Não existe clima mais surpreendente para aproximar duas pessoas do que uma viagem (a menos que estas já estejam separadas por qualquer barreira intransponível). As primeiras horas seriam dedicadas à retrospectivas, afinal, depois desses anos cada um tomou rumos distintos e nada mais sabiam um do outro, que haviam feito da vida, as tragédias e comédias por que passaram, os sonhos realizados e as novas aspirações. Ele passou mais de uma hora contando sobre quando finalmente saiu de casa - cerca de um ano depois que se separaram - sobre o apartamento dividido primeiramente com uma amiga e depois com mais um amigo e sua namorada, da tentativa inicial de organizar o lugar como uma comunidade, das risadas, das noitadas, das sessões de cinema que faziam com o prédio inteiro, da horta que ele cultivou sozinho - ninguém mais queria por a mão na terra - da cama de casal que ele finalmente conseguiu ter, da fogueira que ele fez um dia no terraço, dos coelhos de estimação que ele comprou - Lilo e Cassandra - dos romances que passou naquele apartamento. Ela contou da luta que foi sair da escola, dos primeiros trabalhos, convites, ensaios, shows com uma banda que acabou participando por curto tempo, performaces que fez, loucuras, casos, acasos - ela sempre tinha mais loucuras para contar. Depois dos pequenos contos a respeito dos cotidianos, as muitas coisas que aconteceram desde que se separaram, viria o momento das saudades, lembrando de tudo que viveram juntos, os momentos marcantes, os pequenos causos que ficaram registrados em lugares especiais da memória, palavras, sensações, coisas que aprenderam graças ao outro. Ele até já editara um livro independente com as centenas de poemas que escrevera para ou sobre ela e uma narração autobriográfica rodeando-os. Quando ela pegou no livro que ele a entregou, ele viu um brilho conhecido nos olhos dela. Essa saudade recriaria uma atmosfera cativante, apesar de certa timidez que talvez surgisse. Ele, como é de sua índole, era bastante intimista, enlaçando-a com o braço, mantendo-a próxima a seu corpo, segurando-lhe a mão quando sentados um defronte do outro no cafezinho, tomando chocolate gelado com torta. Falava quase o tempo todo, pois ela voltara a ser a menina calada que sorria muito e para quem ele olhava com cara de bobo. Ele estava hospedado em um hotelzinho simples, qualquer, e decidiu trocar para onde ela estava, o quarto ao lado, se possível (quem sabe durante a noite não se tornaria o mesmo quarto). Não dormiram na noite em que chegaram - só quando amanheceu, passando a madrugada inteira conversando, contando suas histórias. Estava havendo um festival para o qual ele tinha vindo. Ela estava quase que fugindo de casa e de tudo, cansada, querendo se afastar um pouco. Não sabia quanto tempo ficaria nem para onde voltaria. E, magias do destino, ele vivenciava finalmente a fase de sua vida em que estava solto no mundo, largado tudo para passar alguns meses ou anos vagando por ai, conhecendo lugares, pessoas, culturas e a si mesmo. Igualmente não saiba quando iria embora nem para onde. Talvez ficassem ali mesmo. Se encontraram justamente n´uma cidade que desde jovem o encantava - Curitiba. Fazia frio durante as noites e eles aproveitaram o pretexto para se darem as mãos e andarem abraçados - não que precisassem, mas... Na manhã seguinte, estariam deitados nus na cama, ele abraçado nela. Acordariam cedo - ele milagrosamente ainda tinha aquele despertador cuco - foram tomar café em uma doceria próxima - para comemorar o reencontro, e de lá seguiram para um parque de árvores altas e laguinhos com cisnes, ambos munidos de suas câmeras - continuavam apaixonados por fotografia. Sentados n´um banquinho, a conversa entre eles se estreitaria, se aprofundaria, ganhando tom de confissão, de desabafo, adentrariam os caminhos mais espinhosos, amores, desesperanças, frustrações que passaram, ilusões que ruíram. No fim da tarde, no alto da arquibancada ao ar livre de um dos espetáculos do festival, sentados um de frente pro outro, ficaram abraçados de olhos fechados. Poderiam começar novamente. Começar - eram totalmente diferentes, afinal. Ele passara alguns anos sozinho, seguido de períodos sociais diversos e se acostumara plenamente a viver paralelamente, aproveitando as companhias com uma serenidade que não tivera na primeira juventude. Ela atravessou uma experiência de quase morte, além de rompimentos muito duros em sua vida, familiares e fraternais. Ela ainda tinha muitas amigas e amigos em quem se apoiar nos momentos difíceis, mas acabou seguindo sua tendência natural à solidão - depois do romance com sua melhor e mais querida amiga e amor - que acabou quando esta se mudou para longe - ela se transformou. Conseguiu trabalhar com algo que gostava muito, roupas, design, fotografia - e estava conseguindo sobreviver disso. Ele passara, no fim das contas, um bom tempo no teatro, além dos trabalhos jornalísticos. Juntara um bom dinheiro e fazia já quase um ano que estava livre de preocupações com sobrevivência - consumindo as economias. Talvez eles estivessem pulando de cidade em cidade há algum tempo em busca de algo que os fizesse ficar. Voltar de onde vieram não era uma opção, ficou para trás. Duas semanas depois, eles estavam caminhando por uma rua de bairro residencial, próximo ao centro histórico quando encontraram uma casa com a placa de aluga-se que chamou-lhes a atenção. De repente, decidiram alugar. Não queriam sair daquela cidade. A sensação de estarem juntos de novo o deixava impulsivo por qualquer coisa que fosse na direção de esterem juntos - saíram do hotelzinho e se mudaram para lá - criando ali uma moradia nada convencial - tinha o mínimo possível e evitavam até roupas na casa. Dali não saíram por uma semana - apenas para comprar pouca comida - e com mais uma moto, viveram errantes por dois anos e depois disso, eu já não sei mais contar. Isso tudo aconteceria se existissem reencontros, mas eu não acredito nisso. Caminhos que se cruzam uma vez não se cruzam novamente, a menos que alguma linha tênue os mantenha unidos de alguma forma, mas sendo rompida, não vislumbro novas pontes entre duas almas. Mas, eu gosto de surpresas e odeio expectativas, aconteça o que acontecer.

3 comentários:

Fernanda Protásio disse...

Se voce acredita que uma linha tênue possa manter alguém unido, então, poderia acreditar em reencontros...

(Não que eles existam, claro...)

Fernandes disse...

Se existe ou não(?)...
hum...
que importa?

o texto é bom e suas palavras são reais dentro do real
[nós..]

E meu cabelo estaria da cor naturaaaaaaal? Nem consigo me imaginar.

Pequen(A)mar disse...

"o texto é 'bom'" soa tão ruim oO hehe